É quase meia-noite quando, depois de deixarmos o restaurante paquistanês onde decorreu o jantar de aniversário da
Juna (e onde me
parece que deitei abaixo uma garrafa de Borba
tout seul), tomamos de assalto o meu aposento com vista para a Atalaia como um bando voraz de
marabuntas endiabradas. A minha amiga, uma das pessoas que mais elogiou o meu nobre barraco aquando do arraial de
Revelhão, babando-se perante o universo de possibilidades de
rambóia desbragada que a casota promete, aproveitou de imediato a ocasião do seu aniversário para requisitar o espaço para a celebração de tão honrada efeméride, ao que eu acedi de pronto. O que mais quero é rambóia desbragada na minha casa nova (creio que estou a adaptar-me
demasiado bem a esta bela vida de solteiro e
bon vivant em pleno Bairro Alto...).
Contudo, a organização desta festa está longe da
precisão de relojoeiro com que foi preparado o Revelhão, e não fosse ter sobrado uma quantidade imensa de bebidas dessa magnífica farra, que eu gentilmente cedi à aniversariante, e os seus comparsas não teriam nada com que
lubrificar as goelas. Mas os marotos lá encontram entre as minhas prateleiras muito do que beber e ainda lhes sobra bastante para patinhar a pista de dança e pintalgar artisticamente as minhas entediantes paredes brancas. E não demora muito até a minha vizinha de baixo (que ainda não tinha tido o prazer de conhecer) me pedir de modo algo seco para controlar a
selvajaria que grassa no meu pouso. Ofereço-lhe o meu sorriso mais prestimoso e prometo-lhe uma noite na paz dos anjos, mas a festa está em ebulição, a casa enche a olhos vistos, e eu não conheço metade da malta que atulha o casebre e contribui tão abnegadamente para a instabilidade psicológica de quem quer dormir.
Quando as
kizombas começam a soar, eu encho-me de orgulho por verificar que são os
meus amigos, os mesmos que ensinei na noite de Revelhão, a dominar a pista de dança, liderados por
El Calamar, a esbanjar charme na pista de dança. Quem parece não gostar da cena é um dos amigos da Juna, o desagradável
Sebastiudo, que dá mostras de uma certa acrimónia para comigo depois da minha dança com a sua meiga namorada
Dany. Talvez o assunto me incomodasse, não fosse ter conhecimento que o rapazote passou a noite a distribuir
apalpões às minhas amigas. E, pouco depois, quase me vejo obrigado a pregar umas chapadas na fuça deste
Sebastiudo Apalpatão, na sequência de uma brincadeira cretina em que o sacripanta impediu a entrada no recinto ao meu amigo
jOhn. Não fosse termos sido separados imediatamente após uma breve troca de empurrões carinhosos e eu teria certamente
defenestrado o bandalho. Janela fora com ele!
Teria sido engraçado vê-lo despenhar-se lá em baixo no
carro de Polícia entretanto estacionado à minha porta e convocado pela minha enervada vizinha. E enquanto eu recebo os agentes da autoridade, os meus alheados convivas dedicam-se a
aquecer a pedra na varanda do apartamento, justamente por cima da carreta da bófia. São quatro da madrugada quando, depois disto, despacho os amigos da Juna à vassourada, enquanto a casa é invadida por
grupos de raparigas atraídas da rua pela animação interior! E, colada a elas, uma horda excitada de mitragem do
Prior Velho, dispostos a
pagar (!) para usufruir de tão alegre serão. Mas antes que eu tenha tempo de ponderar essa pertinente questão, a Juna põe toda a gente na rua sob uma chuva de furiosos perdigotos. Livres de
elementos indesejáveis, o resto da noite – e o princípio da manhã – é passado só com a malta fixe, na
Zona Lounge, entre kizombas, bolo de aniversário, salame de chocolate e nozes e muita filosofia sobre
sexo (e muita inacção por parte do jOhn – mas isso é outra história...).
Se o Revelhão foi “a Mãe de todas as festas,” esta foi, sem dúvida, “
a Filha da Mãe de todas as festas.” E, enquanto espero pela “
Filha Não Planeada da Jovem Mãe de 13 anos, Filha da Mãe de todas as festas,” só posso dar-me por afortunado, pelas
boas energias de que a minha nova morada parece estar imbuída. É caso para dizer que “
aqui vou ser feliz!”