segunda-feira, dezembro 03, 2007

ELES NÃO A TÊM (NADA) FÁCIL...

Passo a tarde na companhia de Mie, uma japonesa que conheci há dois dias, de visita a Portugal. Sentados à nossa frente na carruagem de metro, um jovem casal troca muitos beijos carinhosos, enquanto, a meu lado, a minha mais recente amiga esconde a cara e esboça um sorriso de embaraço. Segundo ela, as manifestações afectivas no Japão dão-se exclusivamente a portas fechadas, na intimidade do lar ou, mais rigorosamente, “no quarto.” Diz a menina que nunca viu os pais beijarem-se e que mesmo pais e filhos só trocam beijos durante a infância dos rebentos. “Quer dizer que não cumprimentas os teus pais com beijos?,” pergunto eu. “Nããããão!,” e ela mostra-se chocada, “Somente vénia.” Em toda a vida social japonesa, quer em família, entre amigos ou colegas, as pessoas cingem-se à vénia. “Às vezes, com amigas, também abraço, sim,” rectifica ela.

Agora beijocar os pais, isso é que não! E ela parece-me até um pouco enojada quando eu revelo que beijo os meus sempre que os vejo. Ou que os vejo todas as semanas. “Todas as semanas?! Mas porquê?!” Não reprimo uma gargalhada ao responder-lhe o óbvio: “Ora, porque eles gostam de mim!” Mas, ao que parece, isso é um exagero absurdo para a rapariga. Afinal, os seus pais também gostam dela mas chega-lhes perfeitamente o seu encontro anual para matar saudades, quando a menina se ausenta da gigantesca capital nipónica para os visitar uns dias à terrinha.

Outro hábito que não existe no Japão é o de receber pessoas em casa própria. Diz a rapariga que não costuma visitar as suas amigas nos seus lares porque “elas têm namorado.” Mas mesmo ela, que é descomprometida, não convida amigos para o seu apartamento. Portanto, ao que tudo indica, os japoneses fazem uma distinção radical entre a vida pública e a privada. E sendo que o lar é o templo por excelência da administração da vida íntima, é impensável (para eles) deixar invadir esse restrito círculo por pessoas exteriores a ele.

“Conta lá, então,” pergunto eu com curiosidade, “como fazem os japoneses para namorar.” Ela pensa um pouco antes de responder: “Primeiro, vamos a bar de solteiros, onde conhecemos um ao outro e conversamos um pouco. Depois, se gostarmos um do outro, combinamos encontro para conversar mais.” “E dar beijinhos, claro,” atiro eu. “Nããããão!,” escandaliza-se ela, “Beijinhos não! Só conversa. E depois, outro encontro.” “E beijinhos,” insisto eu. “Não! Mais conversa. Depois, outro encontro.” “E beijinhos?...” (Já perdi a esperança.) “Não! Beijinhos só depois de muitos encontros. Depois de conhecer bem.” “Ah bom! Então é ao contrário de Portugal,” digo eu. “Aqui, quando começas a conhecer bem outra pessoa, já não a queres beijar.” A menina está baralhada.

“Sim, é importante beijar logo no início,” explico eu, “quando ambos não se conhecem e estão mutuamente iludidos acerca do outro. Se cometem o erro de se conhecer bem, está tudo estragado, porque acabam por perder o interesse mútuo. Ficam amigos. E depois vai cada um para seu lado sem sequer ter tido a oportunidade – e a consolação – de ferrar um bocadinho o dente enquanto andavam iludidos.” Mas estes conceitos já são lá muito à frente para os costumes amorosos da minha adorável amiga.

Triste vida, a japonesa. Calculo que uma cultura com uma educação destas torne a vida afectiva deveras complicada aos infortunados solteiros que procuram consorte. Porque se lhes são interditas as manifestações de afecto em locais públicos mas também não estão à vontade para receber pessoas na intimidade do próprio lar, que outras alternativas lhes restam, para além de gastar o tempo todo em conversas e vénias respeitosas e inúteis? Pobres japoneses. A continuar assim, entram sem dúvida em vias de extinção. Por outro lado, não admira que o país do Sol Nascente seja a potência económica que é. Pois, se não podem amar livremente, nada mais resta a essa gente infeliz que abjurar as suas frustrações amorosas... no trabalho.

1 Comentário(s):

A quinta-feira, 03 janeiro, 2008, Anonymous Anónimo comentou:

Bora pó japão pá!!

 

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