sábado, dezembro 25, 2004

É NATAL, É NATAL!

Adoro o Natal! Sempre adorei, desde puto. E adoro tudo: as canções natalícias, as iluminações e decorações das ruas e das montras das lojas, o reunir da família, o convívio entre primos e tios e as obscenas comezainas que duram horas, as mesas repletas de doces que, só de ver, um gajo até fica enjoado, o decorar o Pinheiro e montar o Presépio (independentemente das minhas próprias convicções religiosas – ou falta delas), o ir ao circo (deleitar os olhos nos corpos torneados das trapezistas, bem apertados nos seus minúsculos fatinhos), e até mesmo o tempo frio e invernoso (e logo eu, que nasci num clima tropical e detesto o frio – ou não fosse um Jacaré)!

Recordo-me bem da ansiedade crescente e esmagadora que em criança sentia, juntamente com os meus irmãos, primas e amigos, com o aproximar da meia-noite do dia 25 de Dezembro, a hora designada para o desembrulhar das prendas. Recordo-me bem de contar as intermináveis horas com insuportável impaciência, inventando mil e um estratagemas, brincadeiras e actividades que nos mantivessem ocupados e, por milagre, fizessem o tempo esgotar-se mais rapidamente. Recordo-me também, já mais velhos, das visitas de grupo nocturnas ao sombrio e afastado cemitério de Sobrainho dos Gaios, a aldeola natal da minha mãe, onde era hábito passarmos as férias. E atravessar nervosamente o cemitério de uma ponta a outra (e de volta), em magote muito compacto, vendo braços e cabeças de cadáveres putrefactos a espreitar por trás de cada túmulo.

Após esta prova de coragem, lá íamos nós, impando de felicidade, a correr para casa, para abrir o molho de prendas que nos esperava aos pés da Árvore de Natal. Ao bater da meia-noite e nem um segundo mais cedo! Neste ponto éramos de um rigoroso e absoluto escrúpulo: desembrulhar e revelar as prendas antes da hora marcada era implicitamente tido entre nós como sacrilégio. Porque destruía a magia do Natal. Portanto, e contrariamente ao que é corrente, os meus pais nunca sentiram a necessidade de esconder as prendas para evitar que os filhos as abrissem antes da hora. Nós, como qualquer miúdo, bem nos reuníamos à volta delas, a rebentar de curiosidade, apalpando, abanando, cheirando e conjecturando acerca daquilo que o papel de embrulho escondia. Mas a fita-cola era sagrada e não podia ser violada. E quando acontecia um de nós saber de fonte segura (ou seja, por confidência dos pais) o conteúdo da prenda do irmão, este recusava-se terminantemente a deixar que lhe fosse revelado, tapando com força os ouvidos e gritando a plenos pulmões, para evitar que lhe estragassem a surpresa.

Bons tempos! E é bom verificar que, dessa altura para hoje, pouco mudou. Obviamente, já não sofro da ansiedade impaciente que sofria quando era puto. Mas, e daí, as prendas há muito que deixaram de ter a importância e a profusão desses tempos. Contudo, mesmo sabendo que não me livro da água-de-colónia e do par de meias da praxe, é com a maior das alegrias que desembrulho todos os anos o meu pequeno quinhão de prendas.

Há uma coisa, contudo, que eu abomino no Natal: os fundamentalistas do espírito Natalício (e outras criaturas, oportunistas e hipócritas, que acham que estes sentimentalismos baratos ficam sempre bem) que, todos os anos, lamentam a suposta perda de significado do Natal devido à febre consumista. Dizem que o Natal é tempo de dar e irritam-se porque, cada vez mais, “dar” é sinónimo de “comprar.” Pobres seres de vistas curtas, que ainda se negam a encarar o óbvio. Na nossa sociedade consumista, comprar é lei. Toda a nossa vida é passada a comprar. Porém, o Natal é das escassas ocasiões em que deixamos de olhar para o próprio umbigo e compramos, não para nós, mas para os outros. E é que reside o espírito Natalício: no facto de, pelo menos nesta altura, pensarmos também um pouco nos outros.

Nem que seja apenas para decidir a cor das meias que se pretende oferecer.