domingo, novembro 26, 2006

REQUIESCAT IN PACE JUANITA

A minha Juanita morreu. Pior que isso, a minha bela Juanita morreu por minha culpa. Fui descuidado e deixei-a cair. Partiu o pescoço. Não voltará a cantar.

Em quase trinta anos de existência, nunca tive qualquer formação musical – exceptuando, é claro, os dois anos de Educação Musical na Escola Preparatória (dos quais restaram, se tanto, alguns rudimentos de notação musical). Nunca soube tocar nenhum instrumento musical e sempre encarei isso como uma enorme lacuna na minha formação pessoal. Então, há cerca de um ano atrás, apostado em colmatar essa falha, decidi finalmente inscrever-me numa Escola de Música, para aprender a tocar guitarra clássica. Teria preferido a bateria, mas a mensalidade era mais alta, além da aula semanal ser mais curta, portanto, optei pela guitarra (mas não desisti da bateria – é um projecto que fica para segundas núpcias). Foi assim que conheci aquele que acabou por se tornar um dos meus melhores amigos actualmente: The Most Unspeakable Creature, o meu professor de guitarra (um puto simpático e entusiástico cerca de dez anos mais novo que eu).

Durante sensivelmente o primeiro mês de aulas, enquanto não me decidia a comprar uma guitarra, andei a averiguar entre os meus amigos se algum me cedia uma, para eu poder praticar fora das aulas. Não tive qualquer sucesso. Mesmo aqueles que tinham duas e três guitarras – entre clássicas e eléctricas – inventavam as desculpas mais esfarrapadas para se escusarem ao meu pedido. Logo cheguei à conclusão que a guitarra estava incluída no rol de coisas que não se emprestam nem ao melhor amigo, logo depois da escova-de-dentes e da namorada. Foi então que me decidi. Visitei algumas lojas, averiguei preços e comprei-a: a minha bela Admira® Juanita.



Com o tampo em pinheiro-do-Oregon, as ilhargas e o fundo em sapelli, o braço em mogno africano, a escala e o cavalete em ovengkol, os carrilhões de afinação niquelados, umas curvas femininas extremamente sensuais e uma voz cheia, clara e vibrante, a bela Juanita deixou-me completamente rendido ao seu charme espanhol desde o primeiro momento em que a soube minha. Além das suas qualidades físicas, ela sempre teve um grande valor sentimental associado, pois simbolizou a minha iniciação no mundo da Música. Ela marca o ponto de viragem que divide a minha existência em dois períodos: a.M. e d.M. (antes e depois da Música). Esteve comigo desde as minhas primeiras notas, os meus primitivos acordes. Aprendi com ela, evoluí com ela. E guardava a ideia romântica de a ter comigo para toda a vida e poder dizer aos meus netos, quando fosse já velhinho (rebarbado, como o Tartaruga Genial), que tinha sido com ela que tudo tinha começado.

Mas, enfim, não estava destinado. Por isso, aqui fica a digna homenagem à minha bela Juanita. Se é verdade que guitarras há muitas, não o é menos que a carga simbólica associada a um objecto pode potenciar a sua importância para além do valor material. Para os outros, é apenas um bocado de madeira, facilmente substituível. Mas, para mim, além de tudo o que referi atrás, representa sobretudo a confirmação de que uma pessoa nunca é velha demais para perseguir os seus sonhos.