terça-feira, novembro 16, 2004

A GUERRA DO MARFIM

Passam duas semanas desde que a Evita, a minha melhor amiga, deixou o nosso país com destino à Costa do Marfim, onde reside actualmente com o seu noivo Françiú. Ou onde residia até recentemente, para ser mais exacto. É que, entretanto, rebentou a guerra lá na terra!

Protectorado francês desde 1842, a Costa do Marfim torna-se parte da Federação Francesa da África Ocidental em 1904. Meio século depois, o país torna-se uma república dentro da Comunidade Francesa e, em 1960, ganha a independência, sob o governo do presidente Felix Houphouet-Boigny, líder do PDCM (Partido Democrático da Costa do Marfim) e mentor da independência marfinense (o Xanana lá do burgo, portanto – ou talvez o contrário, tendo em conta que o revolucionário timorense recebeu o Prémio Felix Houphouet-Boigny para a Paz em 2003).

Durante mais de três décadas, Houphouet-Boigny governa com mão de ferro um sistema unipartidário, tornando o país um dos mais economicamente estáveis e desenvolvidos da África Ocidental. Porém, o poder colonial francês nunca abandona totalmente a Costa do Marfim. De protectorado, o país torna-se um estado cliente, com vários cidadãos franceses a dominar sectores estratégicos da economia marfinense (os simpáticos franciús, a ajudarem os pretinhos a gerir o próprio país – e a fazerem bué guito à conta deles, está bem de ver). Em 1993, a morte de Houphouet-Boigny, coincidente com o declínio da economia local em função da queda dos preços dos produtos agrícolas, abre caminho a uma crise institucional que leva a uma luta pelo poder entre as facções políticas do país (ou seja, morre o velho e a família anda à bulha pela herança).

Golpes de estado marcam a sucessão política na década de 90 e é no ano de 2000, após eleições fraudadas pelo general Robert Guei (que foge do país ameaçado pela revolta popular), que Laurent Gbagbo, actual presidente da Costa do Marfim, alcança o poder. Surgem de imediato conflitos no país entre os partidários cristãos de Gbago no Sul e os rebeldes muçulmanos do Norte, seguidores de Alassane Ouattara (político muçulmano proibido cinco anos antes de participar nas eleições para a presidência por ser natural de Burkina Faso, que já pertenceu à Costa do Marfim). Em 2001, a Amnistia Internacional denuncia violações dos direitos humanos pelo governo, acusado de executar 57 rebeldes após a campanha presidencial do ano anterior.

É iniciada uma política de contenção do confronto, que negoceia a divisão do poder pelos diversos partidos políticos do país. Contudo, já este ano, tanto os partidários de Ouattara como o próprio PDCM abandonam o governo, acusando Gbagbo de desrespeitar o acordo e de desestabilizar o processo de paz. A ONU, vendo o conflito agravar-se, envia tropas para o país. E, de facto, a guerra civil estala com um ataque da Força Aérea marfinense a uma base rebelde, que mata 9 soldados franceses da Força de Paz e fere 31. A França, comandada por um ultrajado Jacques Chirac, retalia e arrasa completamente a Força Aérea da Costa do Marfim (ou seja, todos os três caças e cinco helicópteros da era soviética que os gajos para lá tinham)!

Incitados à xenofobia pelos meios de comunicação (controlados pelo governo), partidários de Gbagbo protestam furiosamente contra a França e, numa onda de ódio e violência, atacam e saqueiam residências e propriedades francesas. Cerca de sete mil estrangeiros (um deles a minha amiga Evita) deixam apressadamente o país, sob a protecção das tropas francesas.

Para os interessados em conhecer o testemunho de alguém que viveu na pele toda a situação – alguém prestes a casar e iniciar uma nova vida na Costa do Marfim, e que, de súbito, vê os seus planos de vida futura gorados –, a minha amiga conta todas as suas aventuras (e desventuras) no blog entitulado “as minhas experiências,” em www.primeiramulher.blogspot.com.

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