sábado, outubro 30, 2004

“BEFORE SUNSET – ATÉ AO ANOITECER”

Pelo segundo dia consecutivo, assisto ao filme “Before Sunset,” de Richard Linklater. Ontem, após um jantar e cinema na companhia da minha amiga Evita, do Ti e da sua esposa Fifi, vi-me constrangido a abandonar a sala de projecção antes do final do filme, depois da Evita ter recebido a triste notícia da morte do seu cão na Costa do Marfim, no dia anterior ao seu regresso à dita terra. Apesar dos meus companheiros confessarem algum alívio por abandonar a sala de cinema prematuramente, eu tive realmente pena de perder a conclusão do filme. Contudo, não podia ser de outra maneira: a Evita estava inconsolável com a morte do seu Bolinha (paz à sua pequena alma canina!) e eu, como seu melhor amigo, não podia ignorar a sua dor e deixá-la desamparada. Mas regresso hoje ao cinema, para ver a conclusão que ontem me fugiu.

É impossível falar de “Before Sunset” sem referir “Before Sunrise,” do mesmo realizador. Filme de 1995, conta a história de Céline (a encantadora Julie Delpy) e Jesse (Ethan Hawke), dois jovens que se conhecem numa viagem de comboio na Europa, ela com destino a Paris e ele de regresso aos Estados Unidos. Chegados a Viena (da Áustria), decidem desembarcar para “check out the town,” antes de seguirem cada qual o seu caminho no dia seguinte. Assim, os dois passam a noite a passear pela cidade, conversando sobre tudo e sobre nada e, no fundo, apaixonando-se um pelo outro. Na manhã seguinte, no momento de despedida, ao invés de trocarem telefones ou moradas, decidem voltar a encontrar-se naquele mesmo lugar daí a seis meses. “Au revoir.The end.



Entretanto, passam nove anos. Tanto no cinema, como na vida real. Em “Before Sunset,” Jesse é agora um escritor famoso, de passagem por Paris para promover o seu livro, que conta a história de dois jovens que se conhecem num comboio, passam a noite juntos em Viena e se separam no dia seguinte com a promessa de se reencontrar daí a seis meses – a sua história, no fundo. E é no decorrer de uma pequena conferência de imprensa na livraria Shakespeare & Co., horas antes de apanhar o avião de regresso aos Estados Unidos, que Jesse reencontra Céline. Juntos, abandonam a livraria, para um café e dois dedos de conversa – que se estende pelo filme inteiro.

Aqui e ali, na sala de cinema, uma ou outra pessoa dormita. E aqueles que não dormem, estão com certeza a apanhar uma seca monumental. Afinal, este não é um filme romântico convencional. Tal como no primeiro filme, os protagonistas gastam o tempo todo a conversar, sobre tudo e sobre nada. Banalidades, filosofias, curiosidades, revelações. Confissões. São 80 minutos só de conversa. Nada de sexo. Nem um beijo para amostra.

No entanto, e ao contrário do pessoal que enche a sala, cuja opinião não deve diferir muito da dos meus companheiros de ontem, eu adoro o filme. Vibro do início ao fim e precisamente por ser um filme romântico que não se guia pelas gastas e previsíveis fórmulas convencionais do género. Além disso, é um filme que vai de encontro à minha ideia de romantismo. Vi uma vez, não sei onde, um pai aconselhar ao seu filho que se casasse com uma mulher com quem sentisse prazer em conversar. Dizia o cota sabedor que “o tempo leva tudo: a beleza, o cabelo, a tesão. E quando tiverem perdido tudo e forem ambos velhos caquéticos com os pés para a cova, é bom que tenham prazer em conversar um com o outro, pois é só isso que vos vai restar.” E não há dúvida que a Céline e o Jesse gostam de conversar um com o outro.

Conselho do Jacaré: a não perder, mas apenas por espíritos elevados que procuram e desejam algo mais das suas relações amorosas e da vida. Os outros, por favor não gastem dinheiro com este filme quando podem ir ver outras coisas mais de acordo com o seu limitado nível de sensibilidade.

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