sábado, novembro 13, 2004

ARRUMAÇÕES

Passo o dia em arrumações. O dia inteiro. Contrariamente ao que é habitual, abdico de aproveitar a minha folga numa qualquer actividade de lazer com algum bom amigo ou amiga boa, para passar o dia inteiro encafuado em casa em arrumações. Devo estar a ficar doente! Doente não por ficar todo o dia fechado em casa em arrumações, mas doente por me sentir tão bem ao final do dia!

Confesso que o meu quarto estava um verdadeiro pandemónio. Roupa lavada e engomada amontoada por todo o lado e à espera (alguma já há uns meses!) de ser finalmente arrumada, livros empilhados em torres periclitantes, sempre crescentes, cuja construção foi iniciada por alturas da última Feira do Livro (e, raios!, que só agora noto que lombada do “Arctic-Nation,” da série “Blacksad,” está estragada! Porra! Devia ter tido mais atenção quando o comprei), CDs avulso (já nem me lembrava deste CD dos Kerbdog. Devo tê-lo ouvido umas duas vezes...), montes de papelada e cartas por abrir desde o final do Verão (contas de hospitais – “Queira responder em 10 dias úteis”?! Ah! Que gozo do caraças! Onde é que isso já vai! –, extractos bancários – ena!, o banco enviou-me há uns meses um novo cartão MultiBanco, para substituir o antigo, engolido por uma máquina duas semanas antes... Que atencioso da parte deles –, bilhetes usados de cinema e de bailes – 12 de Março no Mercado da Ribeira? Eu lembro-me desta noite! Foi quando conheci a loira gira das mamas grandes!), alguns desenhos amarrotados e muito .

No final do dia, apesar de sujo e coberto de ácaros, sinto-me orgulhoso de mim mesmo pela gigantesca tarefa de arrumação que levei a bom termo. Para o olho destreinado, o quarto parece estar, mais grolho, menos grolho, na mesma. No entanto, para mim, está completamente diferente! A roupa lavada está toda arrumada (a roupa suja costumo colocá-la de imediato para lavar – pouco arrumado serei, concedo, mas não desorganizado e nunca um suíno!), a papelada arquivada ou posta para reciclar (consoante a sua validade), os CDs arrumados e os livros... bom, esses continuam por arrumar. Já não estão empilhados, porque não quero vir a encontrá-los um dia todos derrubados e amachucados no chão. Mas o facto é que não tenho sítio onde os guardar.

É o que dá morar numa casa onde todos os ocupantes adoram ler. Já não há espaço para colocar mais livros. Até temos que andar de lado no corredor, porque o espaço está todo atravancado com estantes sobrelotadas e perigosamente inclinadas. Uma vez, há pouco mais de um ano, mandei uma brutal marrada numa das estantes, que me saltou ao caminho a coberto do negrume da noite de Verão. Rasguei o sobrolho e até vi estrelas! Depois, tive que inventar uma história mirabolante sobre ter sido apanhado em flagrante delito por um marido cornudo, para justificar o penso rápido colocado sobre a sobrancelha direita (pois convenhamos que a verdade é uma triste, triste história, totalmente indigna de um gajo do meu calibre e com a minha reputação). Só tive pena de não ter ficado com uma bela e notória cicatriz. Mas recebi alguns comentários engraçados de uma ou outra amiga, que me disseram que eu ficava giro com o penso na testa, com pinta de menino traquina.

Mas divago. Voltando às arrumações, o engraçado das ditas é que, apesar de serem uma canseira e consumirem uma quantidade absurda de tempo, produzem um sentimento agradável de realização numa pessoa quando o trabalho está concluído. De facto, não há momento em que um gajo sente ser mais lícito e merecedor desperdiçar tempo sem fazer nada do que depois de arrumada a casa. Até a própria vida parece mais organizada. Mais eficiente. Mais leve. Prontinha a levantar voo. Como se o futuro nos reservasse um universo de oportunidades, cada uma melhor que a precedente. Por isso, não me admirava se amanhã recebesse uma proposta irrecusável de emprego no estrangeiro ou adquirisse uma dinheirama astronómica por herança ou, talvez, conhecesse um par de gémeas boazonas e malucas, que não se importassem de partilhar o namorado. Venha o que vier, que a minha vida está arrumadinha e a postos para tudo.

0 Comentário(s):

Enviar um comentário

<< A Goela