sábado, outubro 30, 2004

MASCARADAS

Ao chegar ao Festival de Banda Desenhada da Amadora, acompanhado dos meus amigos Ballistic e mARco, encontro de imediato caras conhecidas: o Sky (vestido de preto da cabeça aos pés, como é usual nestas ocasiões, segundo o mARco) e o cunhinha – que, por fim, conheço pessoalmente e que, tal como eu esperava, é um tipo porreiro (cabeçudo, mas porreiro).

O Sky é todo entusiasmo e agitação, a pairar em volta de uma comitiva deveras peculiar, reunida em magote à entrada do recinto. É uma cambada de gente estranhamente vestida, com trapos de cortes esquisitos e cores berrantes que não combinam, e exibindo cabeleiras espetadas multicores, dignas de qualquer bom Super Guerreiro do Espaço. E de facto, ao olhar com maior atenção, apercebo-me (não sem algum horror) que reconheço algumas daquelas estranhas personagens... da televisão (ou do monitor)! Isto só pode significar uma coisa: hoje é dia de cosplay.

O ingénuo leitor não sabe o que é cosplay? No fundo, é uma grande mascarada. O Sky mostra-se ofendido: “Mascarada?! Isto não é nenhuma mascarada! Isto é COSPLAY, pá!...” (Eu e a minha grande boca de Jacaré! Mal cheguei e já estou a ofender as pobres pessoas à minha volta...)

O cosplay é uma actividade praticada por devotos fãs (otakus, sem qualquer dúvida), que desenham e criam as próprias fantasias, para encarnar e representar as suas personagens favoritas de manga, anime e jogos de computador. Cosplay é um acrónimo de “costume play,” ou seja, e como o próprio nome indica, costume = vestimenta e play = representação ou actuação. Este é, obviamente, o significado erudito. Porque cosplay também pode ser, muito literalmente, costume = disfarce de fantasia e play = brincadeira. Ou seja, e por outras palavras, palhaçada. Deixo ao leitor a escolha da interpretação que mais lhe aprouver. Eu cá já fiz a minha.

Mas estou a ser injusto. Porque o cosplay nem sequer é digno de ser classificado como palhaçada. É que os palhaços, pelo menos, esforçam-se para entreter o público. O que não acontece com os cosplayers. O mARco diz-me que, de vez em quando, eles encenam umas “lutazinhas bué ridículas” entre eles para animar a malta, mas, pelo que me é dado observar, não vejo uma única destas criaturas a esforçar-se minimamente para estabelecer o mais pequeno contacto com a multidão espectadora (e expectante). Limitam-se a andar no meio dela, alheios a tudo e a todos – excepto uns aos outros, claro. Calculo que não lhes interesse estabelecer qualquer contacto com a chusma ignorante que encara o cosplay como uma mera mascarada. Contudo, e infelizmente para eles, é exactamente e apenas isso que o cosplay é para o espectador comum.

Eu até compreendo a atracção e o entusiasmo que um gajo, ainda que não sendo pago para isso, possa sentir por vestir uma armadura de esponja mal pintada, enfiar na tola uma peruca reles de cabelo lilás todo espetado e carregar ao ombro uma espada de plástico muita fatela. A sério que compreendo. O que não percebo é que depois esse gajo vá passear no meio de uma multidão que se esforça por ignorar! Afinal, um gajo mascara-se para ser visto, ou não? O mascarado deve ao seu público, pois é a multidão espectadora quem valida o seu trabalho. Por outras palavras, um mascarado sem público não é nada. É apenas um gajo com uma tara marada.

Que me venham dizer que os cosplayers fazem isto por simples gozo pessoal. Muito bem. Nesse caso, se se estão a cagar para a assistência, se fazem isto para se divertirem entre eles, não faz sentido que saiam para a rua. Porque esta cena é só deles. E só para eles. Assim sendo, é melhor ficarem em casa. Eu, quando me masturbo, também é na intimidade do lar.

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