quarta-feira, novembro 24, 2004

EMPREGADO DO MÊS

Trabalho há (quase) uma mão cheia de anos numa loja de centro comercial. Em part-time. O salário é uma miséria, claro, mas chega para o que eu quero: pagar a faculdade e ser economicamente independente. Faço tudo o que gosto e ainda me sobra guito para prestar assistência financeira aos amigos mais desfavorecidos. Aliás, quando penso nos cerca de mil e quinhentos contos que tenho emprestados, chego à conclusão que devia era enveredar pela carreira de agiota – ficava rico! Embora me baste ter o suficiente para poder levar sem problemas a vida que eu gosto. Ser rico exige demasiadas responsabilidades e preocupações e eu abomino o stress. Prezo muito a minha sanidade física e mental. Prefiro usar o dinheiro do que ser usado por ele.

É por isso que gosto do meu emprego, actividade de um modo geral bastante relaxada, onde as responsabilidades e preocupações são reduzidas. Passo o tempo sozinho na loja, sem colegas para me incomodar e sem grande trabalho que me ocupe. Tenho televisão para me entreter e computador para trabalhar (onde, a propósito, escrevo “A Goela”). Tempo para mim não me falta, especialmente nesta altura de recessão económica, em que a clientela é pouca. A grande vantagem, contudo, decorre do facto do emprego me manter afastado do lar durante as horas em que a minha família a ele retorna após o dia de trabalho – a minha presença em casa, como é muito mais rara, tornou-se também muito mais desejada. E, de facto, desde que trabalho que os meus pais aprenderam a dar mais valor às ocasiões em que estou com eles, em vez de gastarem esse tempo a censurar-me por causa das minhas opções de vida. Por último, e para rematar, há ainda o bónus da paisagem. É comum ouvir, quando recebo na loja a visita de algum amigo: “Jacaré, a tua loja é um espectáculo! É só gajas boas a desfilar em frente à montra!” E é verdade. Por vezes, gosto de imaginar que eu é que sou o cliente, a avaliar o material exposto na montra de uma loja: “Olhe, embrulhe-me aquela ruiva, por favor. É para levar. E aquela loira, é verdadeira ou imitação? Por acaso, não tem um número menor e menos beta, não?...”

Mas nem tudo são rosas e também neste emprego há desvantagens. Num centro comercial, feriados e fins-de-semana são dias de trabalho como os outros. Não se fica em casa a dormir só porque é Domingo. E depois, claro, há a clientela. Caprichosa como só ela. Atender o público é tarefa exigente que requer uma paciência a toda a prova. Especialmente quando se trata de atender os clientes mais insuportáveis: os arrogantes (que tratam o vendedor como se fosse um mísero insecto), os burros (que têm a língua mais rápida que o pensamento, memória curta e uma incapacidade olímpica em compreender os conceitos mais simples) e os indecisos (os empata-fodas da vida, gentalha desprezível a quem reservo o meu mais acerado ódio).

A experiência ensinou-me, porém, que um sorriso e alguma simpatia é meio caminho andado para uma interlocução agradável e gratificante para ambas as partes envolvidas. São essas as armas que uso. E são extremamente eficazes. A prová-lo – se é que isso prova alguma coisa – está o resultado da avaliação das lojas efectuada no início do mês pela administração do centro comercial, por intermédio do “Cliente Mistério” (que não passa de um espião a soldo da administração, e disfarçado sob a aparência de um banal cliente, cujo objectivo é avaliar – muitas vezes, mal e porcamente, convém referi-lo – a prestação dos comerciantes do centro).

Pela primeira vez desde que aqui trabalho, sou eu o apanhado. Mas passo o teste com distinção. As considerações do “Cliente Mistério” sobre a minha pessoa qualificam-me como “muito simpático e prestativo” e revelador de “muito bons conhecimentos em Atendimento e/ou Técnicas de Venda,” entre outros louvores que não sei se mereço. Pontuação obtida: 95,0%. Arrasador!... Terei algum mérito, sem dúvida, mas a sensação que me dá é que este “Cliente Mistério” era uma gaja que se deixou encantar pelos meus olhos claros. Ou então um gay que gostou do meu cu...

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