A SONDA
Um gajo novo pede-me para lhe explicar o que me aconteceu. Faço-o. “Então e urinou sangue, foi?” “E continuo a fazê-lo. Sinto-o a sair enquanto falamos,” digo-lhe. “Deixe-me ver isso...” Assim que baixo as calças, nova cascata de sangue se abate no chão. As três ou quatro pessoas à minha volta parecem apreensivas. Ouço alguém dizer “Chamem o médico urologista!...” enquanto me deitam na mesa. Estou praticamente nu, com as calças para baixo. Já não tinha a t-shirt e, entretanto, tiraram-me também o casaco. Continuo a sangrar.
Entretanto, chegam os médicos urologistas – um mais velho, que dá as ordens, e outro mais novo, que as executa. Mandam tirar-me os sapatos e as calças. E aqui começa o meu calvário...
Primeiro, pedem-me para mijar. Consigo, em parte, mas torço-me de dores atrozes. É como se tivesse um carvão em brasa dentro da pila. Então, decidem jogar pesado – e, sem qualquer aviso, enfiam-me uma sonda pela pila adentro. “Isso DÓI!!!” grito. “Relaxe. Respire fundo,” dizem os médicos. Tento acalmar-me: “Relaxa, okay... respira fundo, sim... ARGH!!... Isso é fácil de dizer!” Agarro o braço do médico mais cota e, imediatamente, sinto toda a gente paralisada naquela sala! “Largue o braço,” diz-me o médico, e o seu tom não é para brincadeiras. Por um breve (e estranho) momento, sinto-me de volta aos meus tempos de escola secundária – um piolhoso qualquer tenta sacar-me alguns trocos e, quando lhe sustenho o braço, tentando impedi-lo de me tocar, o ambiente gela à minha volta: “Bad move, dude...” “Largue o braço, por favor,” repete o médico. Eu obedeço.
Entretanto, dou-me conta de duas ou três cabeças que pairam sobre a minha. O gajo à minha direita agarra o pendente do meu fio e esfrega-o entre os dedos. Tenta distrair-me: “Onde é que compraste isto?” “Foi uma ex-namorada que me ofereceu,” esclareço-o. “Uma ex-namorada, pá?! Então não o devias usar!” “Porque não?! Ela deu-mo, agora é meu! Gosto do pendente e uso-o quando quero e independentemente dela!” Ele ri-se. “Pensei que o usasses por praticar alguma arte marcial... Eu faço Kung Fu.” “Ah, compreendo. Mas não. Eu cá só danço. Mas gostava de aprender uma arte marcial. Talvez a gente possa trocar aulas, um dia destes – tu ensinas-me Kung Fu e eu ensino-te Danças de Salão.” Ele ri-se: “Põe-te bom e a gente combina isso.”
Entretanto, mais dor. Sinto-me como se a sonda que me estão a enfiar pela pila fosse sair pelo cu! Ranjo os dentes e urro de dor. “Relaxe. Respire fundo.” O auxiliar de enfermagem praticante de Kung Fu, que (coincidência das coincidências) partilha ambos os meus primeiros nomes, só que na ordem inversa, continua a tentar distrair-me. A dor é tal que não o consigo ouvir. Sorrio: “Tens consciência que não estou a ouvir nada do que estás a dizer, não tens?” Ele sorri de volta, mas continua a fazer o possível para me desviar a atenção da dor.
De repente, acaba. É necessário tirar-me umas radiografias e vou ser enviado para outra sala. Metem-me numa maca e lá vou eu. Quem me guia é o meu amigo do Kung Fu. A meio do caminho o gajo encosta a maca a uma janela. “Aqui tens rede. Precisas de ligar a alguém, a avisar que estás no hospital?” “Preciso de ligar à minha mãe.”
E falo com ela. Apesar das minhas palavras calmas e reconfortantes, ela mostra-se preocupada. Claro – mãe é mãe. Mas o meu novo amigo dá-lhe o número de telemóvel dele, para ela lhe ligar directamente assim que chegar ao hospital. Depois, seguimos viagem. O meu novo destino é uma sala pequena, com uma máquina enorme montada sobre uma mesa onde um gajo se deita. Os médicos urologistas estão à minha espera. O meu amigo, ao despedir-se, diz-me: “As tuas coisas estão neste saco, que está identificado com os teus dados, nesta etiqueta. Vou amarrá-lo aqui à maca. Não o percas. E até já.”
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