NAS URGÊNCIAS
Durante a viagem de ambulância, o Élvio preenche um monte de documentos com os meus dados vitais: nome, idade, morada, telefone, essas coisas. Chegados ao Hospital Fernando Fonseca, ele senta-me numa cadeira de rodas e leva-me para o Serviço de Urgências, onde dá entrada do meu caso. Enquanto esperamos pacientemente por passar pela triagem, de onde nos remeterão para o serviço competente, chamo o meu fiel socorrista Élvio àparte: “Ouve, man, isto é um bocado embaraçoso, mas eu estou-me a mijar todo e não consigo evitá-lo, pá...” “A sério?... Queres ir à casa-de-banho?...” “Yá, julgo que é melhor. É que está a sair enquanto estou aqui a falar contigo!”
Depois de uma breve hesitação, ele lá se decide a levar-me rapidamente à casa-de-banho. Eu estou apreensivo. Por um lado, sei que em alturas de enorme tensão e perigo, as pessoas podem mijar-se ou borrar-se todas. É uma reacção fisiológica normal. Os animais também o fazem, para aliviar peso e poderem fugir mais levemente do seu predador. Contudo, no meu caso, não me posso esquecer que magoei os tomates aquando do acidente. O que significa que posso muito bem não estar apenas a mijar urina...
Assim que me vejo a sós na casa-de-banho, baixo as calças. As cuecas, originalmente brancas, estão vermelhas de sangue... “Por vezes, detesto ter razão!” penso eu. Baixo as cuecas e uma cascata de sangue, líquido e já coagulado, espalha-se pela retrete, pintando tudo de vermelho. “Hmmm... This is not good!...” murmuro para mim próprio. Chamo o Élvio. Ele entra e dá de caras com aquela cena gore. “Élvio, isto não é bom.” O gajo passa-se: “Isso aconteceu agora?!” “Yep. Afinal, não era urina...” Num ápice, ele puxa-me as calças para cima, senta-me na cadeira e dispara comigo de volta para a triagem. Por um momento, tento imaginar a cara do gajo que decidiu usar a casa-de-banho depois de mim e deparou com aquele banho de sangue... Depois, os meus pensamentos ficam bastante mais negros, enquanto me interogo acerca da gravidade do assunto...
No exacto momento em que chegamos à triagem, estão a chamar o meu nome. O Élvio está um bocado excitado enquanto explica o sucedido à enfermeira de serviço, desde o momento em que me foram buscar de ambulância ao local do acidente até ao episódio na casa-de-banho. Eu tenho os dedos manchados de sangue e uma outra enfermeira dá-me algumas compressas para me limpar, enquanto a enfermeira de serviço me faz algumas perguntas, para complementar a informação dado pelo Élvio. Entretanto, continuo a mijar sangue às golfadas. Sinto-me exasperado e sem paciência para aquilo – toda a gente à minha volta me parece lenta e estúpida – o que eu preciso é de um médico que me resolva o meu problema! A outra enfermeira pergunta se preciso de mais compressas. Rosno-lhe que não. Depois, mais controlado, acrescento, quase em surdina: “... Obrigado.”
Avaliado o meu caso, decidem enviar-me para a sala de Pequenas Cirurgias (nome sugestivo, hã?). Antes de se despedir, o Élvio passa-me uma folha cheia de etiquetas autocolantes com os meus dados e o meu número de entrada no hospital – e é isto que eu vou passar a ser de agora em diante e enquanto estiver no hospital: o episódio n.º 4008371. Depois, ele deseja-me as melhoras e desaparece.
A seguir, enfiam-me numa sala fria, sombria e despojada, onde as paredes parecem revestidas a metal (ou serei eu que não estou a ver bem?). Ao centro, está aquilo que me parece uma mesa de operações, também metálica. Sento-me nela. A sua superfície polida está fria.
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