terça-feira, setembro 07, 2004

PRIMEIRAS VISITAS

Enquanto espero no corredor, recebo a minha primeira visita: a minha mãe. Claro. Parece preocupada, mas eu estou bem disposto e as minhas piadas acabam por descontraí-la. Ela diz-me que falou com o médico (o cota), que a pôs ao corrente da minha situação. “Ele disse que tu te portaste muito bem, que foste muito corajoso.” Ah, orgulho de mãe não tem fim! Falando no Diabo, aparece o médico, que me esclarece acerca do meu estado: “Não há ruptura nem da bexiga, nem da uretra, mas há uma obstrução qualquer do canal, que pode ter sido provocada pela hemorragia – um coágulo qualquer que ficou aí. Agora é descansar e esperar que isso se dissolva. Se não acontecer, pode ter de ser operado. Mas, por agora, é recuperar.” “Vou ser internado?” pergunto. “Sim, pelo menos por alguns dias,” responde o médico, como quem dá notícias tristes. Mas eu estou feliz – vou ter férias! Além disso, nunca estive internado na vida; vai ser uma boa experiência!

Pouco depois, chega o meu amigo do Kung Fu. Terminou o turno e está de saída. “Quando estiveres bom, vamos todos tomar um copo, para comemorar.” Acedo, a sorrir, e despedimo-nos. “Este rapaz foi o teu anjinho-da-guarda,” diz a minha mãe, “Assim que cheguei ao hospital, liguei-lhe, ele veio logo ter comigo, acalmou-me e explicou-me a situação. Gostei muito dele! Muito simpático!” Sim, mas, acima de tudo, um tipo impecável, revelador de uma atenção e dedicação muito para além do seu dever. Daqui te lanço o meu Obrigado, meu amigo! Espero que tenhas sempre à tua volta o apoio e atenção que dedicaste a este gajo que não conhecias de lado nenhum.

De repente, lembro-me: “Epá, as minhas coisas! Ele pôs-me tudo num saco que deixou amarrado à maca! Recomendou-me que não o perdesse e nunca mais me lembrei disso!” A minha mãe acalma-me: “Não te preocupes, ele deu-me o saco.” Grande amigo! “Tens o meu telemóvel?” pergunto, “Quero ligar à Ruiva.” No meio de todo aquele tormento, pensar nela faz-me sentir bem e calmo. Anseio por ouvir a sua bela voz doce... But, alas, não tenho rede no corredor...

Quando o meu pai aparece, vem com o seu ar de poucos amigos. Obviamente, está lixado, porque toda esta trapalhada podia ter sido facilmente evitada – mas não, o menino tinha que sentar o seu cu na mota! Eu ignoro as suas trombas. Dada a frequência com que ando de mota, havia mais probabilidades de sofrer um acidente de mota caso fosse a caminhar no passeio e apanhasse com uma mota na mona! Se este acidente aconteceu, é porque tinha de acontecer. End of story.

Os meus pais deixam-me e são substituídos pelo PP, que mostra um ar abatido. Pede-me logo desculpas e pergunta-me como estou. Estou eléctrico! O pior já passou e agora sinto-me animado. E desato a contar-lhe as minhas peripécias desde que nos separámos, num tom leve de humor negro a que não falta nenhum dos pormenores gore. “Fala mais baixo,” diz-me ele com dificuldade, enquanto rimos ambos às gargalhadas em pleno corredor do hospital. Pouco depois, aparece o meu irmão, que, para não fugir à regra, também mostra uma cara apreensiva. Mas eu tenho boa disposição para dar e para vender! Comento com ele que perdi tudo pelo caminho – só me deixaram... as meias! Que simpáticos! Não basta estar fisicamente diminuído, como ainda por cima com um aspecto ridículo e humilhante. E não há nada mais ridículo no mundo que um homem nu e de meias. Mas, vá lá, podia ser pior! As meias podiam ser daquelas compridas e puxadinhas até aos joelhos. E com losangos!... Bem vistas as coisas, até nem estou tão mal como pensava...

Cerca de uma hora depois, lá se lembram os médicos de mim. E, depois de me fazerem entrar no gabinete de Ortopedia, chegam à conclusão que me vão transferir para o Hospital S. Francisco Xavier, que é o meu hospital de residência. Volto a sair para o corredor sem sequer me tocarem. Mudam-me de maca, quase arrancando o meu novo tubinho de mijar (por desatenção de uma enfermeira que “não reparou”) e, pouco depois da meia-noite, abandono finalmente o Hospital Fernando Fonseca. Após nova viagem de ambulância, chego ao meu novo destino.

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