terça-feira, setembro 21, 2004

O ELO PERDIDO E O ESTÁGIO SEGUINTE DA EVOLUÇÃO

Durante o Sábado passado, sentado ao computador, dei um jeito no ombro lesionado que me deixou a arfar de dores durante uns bons momentos. E ontem de manhã, depois do banho, ao levantar um pouco a ligadura do cruzado posterior para analisar a clavícula partida, reparei que esta estava muito mais saliente. Não facilitei: toca para o hospital. Podia nem ser nada, mas eu quero este braço recuperado a 100%, para voltar a dançar sem problemas.

No Hospital S. Francisco Xavier (o meu hospital de residência e, calha bem, o local onde me ligaram os ombros) perguntam-me há quanto tempo foi o acidente e para quando está marcada a consulta de Ortopedia. “Para daqui a um mês,” respondo. Os médicos estranham. Explico-lhes que foi a vaga que consegui arranjar no Hospital Egas Moniz, após ter recebido alta. “Não, não. Estamos a falar da consulta de acompanhamento. Para quando é que o médico que lhe fez o cruzado aqui lhe marcou nova consulta?” Uh-oh! “Não marcou,” respondo. Os dois médicos parecem siderados: “Não marcou?!” “Não. Ligaram-me e disseram-me apenas que o meu ombro ‘nunca mais me ia dar problemas.’ E depois mandaram-me à minha vida...” Dirigindo-se à enfermeira, o médico pede-lhe que averigue quem era a equipa que estava de serviço na noite em que eu fui tratado. Após uns minutos, ela regressa com a informação pretendida e o médico passa-me uma guia de consulta para o dia seguinte (ou seja, hoje) com a médica em causa, no Hospital de Sant’ Ana, na Parede.

E assim, hoje bem cedo, cá estou eu em novo hospital (e já é o quarto que visito desde o início desta rica aventura!), para a consulta de acompanhamento que me era devida e que alguém se esqueceu de me informar. Pergunto-me o que sucederia caso não tivesse acontecido ir ontem ao hospital, por descargo de consciência, e encontrado, por acaso, este elo perdido da cadeia... Lá pelo Natal ainda andaria com a mesma ligadura, a destilar um cheiro nauseabundo dos sovacos!

Se há lição que aprendi com tudo isto é que, se um gajo se quer manter informado sobre o seu próprio caso, tem de ser chato, fazer-se de parvo e perguntar tudo aos médicos. Mas TUDO, mesmo! Porque os gajos, sozinhos, não falam – e, muitas vezes, nem sequer informam um tipo do essencial! Partem do princípio que um gajo sabe tudo – ou que não é digno de saber nada – e ala para a frente! Isto chega a ser kafkiano! Agora percebo como K. se sentiu n’ “O Processo”!

Apesar de tudo, sinto-me feliz por tudo ter resultado como resultou. No Hospital de Sant’ Ana, tiro nova radiografia à clavícula (que pode ser apreciada mais abaixo – de notar como agora a fractura se vê tão bem) e falo com a médica responsável (a tal que se esqueceu da minha consulta de acompanhamento – e que até é uma rapariga bem simpática, por sinal). Após analisar a radiografia, ela diz-me que ainda não há consolidação do osso, mas que isso é normal, uma vez que só decorreram duas semanas desde o acidente. “Normalmente, a consolidação só se faz após um mês. Entretanto, vai fazer novo cruzado posterior e volta cá para a semana, para o mudar.”



Depois de duas semanas permanentemente ligado, é um tremendo alívio ver-me livre do cruzado, ainda que seja apenas por breves minutos. Até se respira melhor! “Posso pedir-lhe um favor?” pergunto eu à enfermeira, “Os meus sovacos não vêm água nem sabão há duas semanas, é possível lavá-los antes de me fazer o novo cruzado?” A médica e a enfermeira riem-se e esta última, acedendo com entusiasmo ao meu pedido, lava-me afincadamente todo o tronco!

E assim, abandono o hospital, mais limpo e também mais aprumado do que quando entrei. E, caramba!, agora é que me sinto mesmo um cyborg, com o tubo de borracha enfiado pela barriga adentro, a bexiga portátil e esta couraça à Robocop, que, de tão apertada, nem consigo baixar os braços! Onde é que já se viu um portento assim?! Tornei-me num ser tão avançado que até mijo por dois sítios diferentes! Pasmem, ó gentes, perante este prodígio da simbiose da Natureza com a tecnologia do Homem – um Jacaré com upgrade! O estágio seguinte da evolução!

(Caramba, quem me ouvir falar até pensa que isto foi o melhor que me aconteceu na vida! Quem sabe, continuando a falar desta maneira, também não me consigo convencer a mim mesmo?... Não custa tentar!)

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