domingo, setembro 12, 2004

HOTEL EGAS MONIZ

“Ouvi dizer que no outro dia desmaiou,” diz-me a a minha nova amiga enfermeira Patrícia – que, afinal, se chama Maria João (o velho Matos é que lhe chamava Patrícia para a picar)! “É verdade,” assento. Aconteceu no dia em que fui à retrete mijar sangue, jperto do final da hora de visita: farto de estar deitado na cama, levantei-me e, imediatamente, senti uma tontura. Prevendo o desmaio, sentei-me rapidamente na poltrona. “’Tás bem?” perguntou a minha irmã, “’Tás muita branco...” E apaguei. Momentos depois, recobro os sentidos para ver reunidas à minha volta um grupo de enfermeiras aos gritos: “Como está? Sente-se melhor? Venha para aqui! Deite-se na cama!” Ainda não recomposto, levanto lentamente a mão direita e faço-lhes sinal para esperar. “Calma,” digo-lhes. Elas atiram-se ao ar: “Calma?! Você é que precisa de calma! Olhe que se tem desmaiado de pé, ninguém o agarrava! Vá, venha deitar-se na cama.” Novamente restabelecido, obedeço.

Hesitam em chamar o médico, mas, depois de me medirem a tensão, decidem não o fazer. “Agora está outra vez normal,” diz-me a enfermeira-chefe, “mas, quando desmaiou, estava baixíssima!” Depois, abrem a porta do quarto e deixam as visitas voltar a entrar. Os amigos já se foram, ficou só a família. Código azul, está tudo bem. “Fogo, pregaste-nos um grande susto,” diz o PP.

Mas fora esse único susto, a vida decorre plácida e agradavelmente. Especialmente agora que estou sozinho no quarto. Não é que não gostasse dos meus companheiros. Pelo contrário, a vida com eles sempre era mais emocionante. Especialmente à noite, quando ambos ressonavam à desgarrada, cada um tentando superar o outro em quantidade e qualidade de roncos: o ressonar cheio e poderoso do Arménio contra o ressonar exótico do velho Matos, pontuado aqui e ali por gemidos ocasionais. Contudo, sozinho no quarto, sou rei e senhor. E a primeira coisa que faço é subir completamente os estores, para inundar o quarto da luz de poente, glorificada em pores-do-Sol de vibrante rosa sobre o azul profundo do céu. O meu quarto tem uma vista fabulosa para Belém e para a foz do rio Tejo. Não muito longe vê-se o Museu da Electricidade e, mais atrás, o Padrão dos Descobrimentos. Ao fundo, o Mosteiro dos Jerónimos e o Centro Cultural espreitam por trás do contorno do casario.

Passo o meu tempo a ler e a ouvir música... quando não estou dormir ou a comer, claro. E penso. Penso muito. Ocasionalmente, a enfermeira Maria João vem ao meu quarto e gasta alguns minutos na conversa comigo. Por vezes, junta-se a nós outra enfermeira, que, por coincidência, é sua conterrânea (são ambas de Trás-os-Montes) e colega de quarto em Lisboa. É óbvio que estas meninas vão com a minha cara – o que me deixa bastante surpreendido! Porque, com a barba de uma semana e o cabelo desgrenhado e feito num novelo, eu pareço um sem-abrigo! I wonder... Ou é o meu charme que transcende a minha aparência exterior, ou elas gostam é de me ver de bata, porque me deixa o cu à mostra. A propósito, existe uma outra enfermeira que, sempre que entra a serviço, me vem perguntar se tive “perdas hemáticas.” Independentemente da minha resposta, a mulher não descansa enquanto não me olha para dentro das boxers! Começo a desconfiar cada vez mais deste seu interesse clínico, que não vejo em nenhuma outra enfermeira...

Contudo, no geral, gosto muito da vida de hospital. É uma vida incrivelmente simples. Só me pedem que descanse, enquanto tratam de tudo por mim e para mim. Não faço nada senão ficar de papo para o ar o dia inteiro – e poderá lá haver algo melhor que isto? Se não fossem as mazelas, eram umas férias do caraças! Mas a minha hora preferida – mais até que a hora da refeição, a hora de visita, o final da manhã ou o início da tarde – é quando já estou deitado na cama, para dormir, e ouço do outro lado do telefone a voz suave e meiga da Ruiva, a dizer que tem muitas saudades minhas. Tenho pensado muito nela e só quero pôr-me bem rapidamente, para poder estar com ela depressa... (Sim, que a bandeira já se vai hasteando!) Enfim, lamechices da treta! Não liguem.

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