quinta-feira, julho 29, 2004

MAIS VALE SÓ OU MAL ACOMPANHADO...?

A minha amiga Chiquitita apresenta-me a sua amiga Cariña. Rapariga jovem, de 21 anos, bonitinha, sorriso encantador. Extrovertida e bem disposta, a rapariga não tem papas na língua. Diz ela, a propósito do casamento: “Eu cá quero casar-me com um homem que passe muito tempo fora de casa, que esteja sempre em viagem. Para não me chatear o juízo. Assim, posso fazer tudo o que me apetece.”

A Chiquitita, como não podia deixar de ser, manda logo uma boca marota, dando bem a entender o que ela entende por “tudo o que me apetece.” Mas a Cariña opõe-se: “Não, nunca serei infiel. O que eu quero é que ele me deixe em paz. Não o quero sempre em cima de mim, a chatear-me a cabeça, ‘onde é que vais, o que é que vais fazer’.” É nessa altura que eu decido atacar: “Se queres que te deixem em paz, então porque te casas?” Ela dá-me a resposta como se fosse a coisa mais óbvia do mundo: “Oh, Jacaré! Uma pessoa tem que fazer a vida, não é?” E, para ela, está tudo explicado!

Se esta rapariga não trabalhasse e se limitasse a viver à conta dos pai-trocinadores, eu seria levado a crer que ela só pretende casar para ter quem (depois dos pais) lhe patrocine a existência. Mas não acredito que seja esse o caso. Apesar de a conhecer há pouco tempo, apercebo-me pela sua conversa que ela não é pessoa que tenha preguiça ou medo de deitar as mãos ao trabalho. Assim sendo, quer-me parecer que o que ela entende por “fazer a vida” significa perseguir o percurso de vida que a sociedade convencionou como normal. Ou seja, nascer, estudar, namorar, tirar um curso, arranjar emprego, trabalhar, casar, trabalhar, ter filhos, trabalhar, ter netos e morrer. Por esta ordem.

Não me interpretem mal, não tenho nada contra este estilo de vida. Para mim, é tão válido como qualquer outro. O que eu acho completamente desmiolado é que alguém procure adaptar-se a um estilo de vida que não foi feito para si, aceitando a inevitável corrupção que advém dessa adaptação. Como neste caso. Terá a rapariga calculado bem o que é passar uma vida inteira casada com alguém que não se ama? E ter filhos com essa pessoa? E aturá-la na velhice? Devo ser eu que sou estúpido, mas não posso evitar perguntar: então e o Amor? Então e o querer partilhar a vida com alguém que se ama? Na minha inocência, julgaria ser esse o objectivo do casamento, e não o fazê-lo porque a sociedade assim o dita.

Mas eu compreendo-a. Porque este problema não se resume apenas à questão de fazer o que a sociedade dita. Não. Mais que isso, este problema diz respeito à solidão. Ela pode até não querer casar, mas aterroriza-a acima de tudo a ideia de ficar . E o ser humano é isto: um animal de sociedade, apavorado pela possibilidade de vir a ser abandonado.

Ninguém gosta de se imaginar a morrer só num quarto velho, escuro e frio. Sem ninguém que o chore. Sem ninguém que dê pela sua falta. Até que alguém se sinta incomodado pelo cheiro nauseabundo do cadáver em decomposição. Não, é sempre preferível ter alguém, seja quem for. Para fazer esquecer a um gajo a verdade mais insuportável de todas: que, no fundo, no fundo, está sempre só. Sempre. Só. E é esta realidade tão inevitável e insuperável que torna o medo da solidão tão irracional.

Não há provérbio mais em desacordo com a índole humana que aquele que afiança que “mais vale só que mal acompanhado.” Deveria ter sido “livrai-me de acabar só! Antes mal acompanhado!” Isto diz tudo acerca do género humano.

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