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De manhã, bem cedo, estou de volta ao Hospital Egas Moniz, para uma consulta de Urologia. Acompanham-me o PP e o Ballistic. O PP tem sido o meu companheiro inseparável nestas andanças de consulta em consulta, de hospital para hospital. É ele quem me tem dado boleia (de carro!) para todo o lado (sempre muito devagarinho e cheio de cuidados para comigo, que eu não posso usar cinto de segurança, por causa da clavícula fracturada) e até mesmo aviado as receitas que os médicos me passam. Sei que ele se sente responsável por mim, uma vez que era ele quem ia a guiar a mota aquando do acidente que causou tudo isto, mas sei também que a maior parte de toda esta solicitude é apenas porque ele é um dos meus melhores amigos e se preocupa comigo. É um amigão! Quanto ao Ballistic, com certeza não deve ter nada de melhor p’a fazer na vida, caso contrário não teria mostrado qualquer interesse em perder uma manhã no hospital!... Enfim, também não é por acaso que este gajo é um dos meus melhores amigos.
Após uma eternidade à espera na Sala, ou melhor, no Corredor de Espera, ouço chamar o meu nome. Enquanto me dirijo ao Gabinete 1, conforme indicado, não consigo evitar alguma ansiedade. É que, contrariando todas as minhas expectativas de uma rápida recuperação, a fonte secou. Por outras palavras, há mais de uma semana que deixei de mijar. De todo. O que quer que seja que está a obstruir a uretra deve ter-se deslocado e entupiu-a completamente. E agora não sai nem uma gota para amostra! Além disso, e para acrescentar algum colorido à situação, descobri que o cateter urinário desliza no orifício – sempre que me sento na retrete e faço força para evacuar, o tubo desliza para fora, o que, apesar de ter uma certa piada, não é nada simpático, porque o raio do tubo está preso à carne com o mesmo fio que usaram para coser o buraco que me abriram na barriga. Ora, quando o tubo desliza para fora, puxa o fio... e este puxa a carne! Creio que seria desnecessário dizê-lo, mas... isso DÓI! Pergunto-me a mim mesmo, até, se não será lícito recear que o maldito tubo salte de vez do buraco e eu me veja a esguichar sangue e mijo pela barriga!
“Não é provável,” responde-me, pensativamente, o médico. Provável?! Isso não me deixa aliviado! O facto de não ser provável não significa que não possa acontecer! Pelo contrário, até indica que existe uma probabilidade, por muito pequena que seja! Impossível, sim, é que seria uma resposta satisfatória! No entanto, o médico toma uma resolução: “Vamos mudar-lhe isso.” Fico confuso. Mudar? Mudar o quê? O saco de mijo? Ele não pode estar a referir-se ao cateter... Ou pode?
Depois de outra eternidade à espera, tenho a minha resposta, ao ser chamado para a Sala de Tratamentos. Nervoso, deito-me na mesa de tratamento e exponho o baixo ventre. Depois de retirar o penso (feito por mim!) que resguarda o cateter, a enfermeira de serviço rapa-me a seco os pêlos da zona (para que o novo penso adira bem à pele) e, seguidamente, passa-me pela barriga compressas atrás de compressas embebidas em todo o tipo de soluções desinfectantes. O que são, não faço ideia. Só sei que tudo arde – tenho a barriga toda em fogo! “Você tem aí tudo o que precisa para torturar uma pessoa!” digo-lhe. Porém, pela cara, não creio que ela tenha achado grande piada à minha pobre graçola. Só espero que, por vingança, ela não me faça sofrer a sério!
Just in case, pergunto-lhe se vai doer. “Sabe que, por nossa vontade, ninguém sofria nada.” Bonito! Isto faz-me lembrar aqueles filmes de mafiosos, em que os tipos sempre mandam bocas destas antes de sacarem dos tacos de baseball... Estou feito! Subitamente, a enfermeira puxa de uma tesoura e clip, clip, clip-a-clip, lá se vão os pontos – bom, ao menos, isto resolve-me o problema do fio que puxava a carne. Depois, ela agarra o tubo com as duas mãos e puxa: zuiiipt, zuuuiiiiiiipt... POP! E, logo de seguida, plumpt, sguuuch, sguuuuuch, enfia-me um novo tubo pela barriga adentro! Durante todo o processo, a minha bexiga contrai-se e expande-se consoante a enfermeira puxa e empurra. “Woah! Woooah! Woooooah! Que sensação tão estranha!” grito eu.
Então, vejo a enfermeira pegar numa seringa enorme com, à vontade, um palmo de comprimento. “Onde é que ela vai enfiar aquilo tudo?!” pergunto-me eu. Ela fixa a ponta da seringona na extremidade do cateter recém-colocado e... dá à bomba! A minha bexiga parece que vai rebentar e sinto uma pontada aguda no local onde a uretra encontra a bexiga. Tenho as mãos crispadas e as pernas torcidas de dor. “Relaxa... Respira fundo...” penso para comigo. Parece piada (e, okay, também é), mas a verdade é que um gajo sofre mesmo menos se estiver mais relaxado. Ou, pelo menos, o tempo não custa tanto a passar. E, com efeito, pouco depois, tudo termina.
Depois de feito o penso, a enfermeira diz-me que “isto agora fica assim – não precisa de pontos.” E remata: “Esse cateter de silicone dá-lhe para três meses.” Ainda bem que já abotoei as calças, senão caía-me tudo aos pés: “Mas eu vou andar mais três meses com isto enfiado na barriga?!” pergunto, desolado. “Não, isso é o seu prazo de validade. O doutor pode bem mandá-lo tirar isso mais cedo.” Oh, que merda! E, entretanto, vou para casa tomar antibióticos e rezar para que a tubagem desentupa por si só?... Que merda!
A minha única satisfação é o médico manter-me de baixa até dia 10 de Outubro. Na verdade, e por vontade dele, o gajo mandava-me trabalhar já amanhã! Mas ele perguntou até quando queria eu ficar de baixa e eu, claro, não me fiz rogado em sacar-lhe mais uma semana de férias. Depois disso, quer queira, quer não, lá terei de voltar para o mundo real, com cateter e tudo...
Contudo, no meio destas tristes notícias, até me sinto mais alegre. A verdade é que este novo cateter é bem mais confortável que o antigo. E, caramba, ter um cateter de silicone é do caraças! E sem pontos, hã? Muito fora! Welcome to the Age of Cyberpunk! Se os meus pais me vissem agora!...
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