quarta-feira, maio 12, 2004

NO MUNDO POR VER OS OUTROS ANDAR

Se há opinião que professo que invariavelmente provoca as mais acirradas e violentas reacções por parte do género feminino é o de que, no campo amoroso, as mulheres não sabem o que querem. Eu entendo a sua ferocidade e exaltação. As mais exacerbadas explosões de cólera têm sempre como causas o medo e/ou a opressão. E este é um caso típico de medo – elas irritam-se porque, no fundo, receiam que eu tenha razão.

Rogo-lhes, porém, que não se chateiem as meninas ultrajadas. Porque o problema não é exclusivo do seu sexo – os homens são iguais. Faz parte da condição humana. Existe no género humano uma inaptidão geral para conciliar o lado racional com o emocional. Por outras palavras, o que pensamos está permanentemente em conflito com o que sentimos. “O espírito é pronto, mas a carne é fraca” é um provérbio que espelha bem os resultados desta luta. Contudo, ninguém gosta de ser considerado fraco. E, por isso, as pessoas iludem-se a si próprias. Acerca de si próprias. Assim sendo, como podem identificar correctamente aquilo que querem ou deixam de querer? Quando lhes falta sinceridade para consigo mesmas?...

Tenho amigos que pretendem que, mesmo assim e ao contrário das mulheres, os homens sabem melhor o que querem. Eu não partilho essa opinião. Talvez os homens pareçam saber melhor o que querem. Mas, entre o ser e o parecer, vai uma enorme diferença.

O que acontece é que, ao contrário da mulher, ao homem raras vezes é dada a possibilidade de escolha no campo amoroso. Por essa razão se apega tanto a tudo o que lhe caia na rede: porque é raro. E ele está sempre disposto a tirar o melhor partido do acontecimento. Por outro lado, esta é também uma das razões porque a esmagadora maioria dos gajos não perde uma oportunidade para comer – basta que a mesa esteja posta, que a fome fala sempre mais alto. Pelo contrário, a mulher pode dar-se ao luxo de escolher o que quer comer. Mesmo aquela que é irremediavelmente mediana (que não se evidencia especialmente nem em termos físicos, nem de carácter), tem invariavelmente uma legião de admiradores por onde pode escolher, dispostos a tratá-la como uma rainha (ver entrada de Sábado, 21 de Fevereiro de 2004). E é exactamente aqui que reside o busílis de toda a questão. Porque a escolha implica decisão. Consequentemente, quanto maiores forem as possibilidades de escolha, mais difícil se torna a decisão.

A escolha amorosa é, basicamente, a avaliação da correspondência psico-sensorial existente entre aquilo que uma pessoa deseja em termos amorosos (resultante da negociação entre os seus lados racional e emocional) e aquilo que o potencial pretendente tem para oferecer. No caso masculino, não há que saber: a sua possibilidade de escolha é tão estreita, que ele se limita a deitar avidamente o dente a tudo o que se venha esfregar no seu nariz – sabe lá ele quando volta a ter sorte! O caso feminino é diferente: como tem espaço de manobra para escolher, ela quer fazer a melhor escolha possível. Ora, isso torna a questão muito mais complicada, porque nada é absoluto e o melhor de hoje pode muito bem ser (ou tornar-se) a caca de amanhã, dependendo do percurso de amadurecimento (ou não) das pessoas em causa – tanto dela, como dele(s) – e daqueles que vão entrando em cena, influenciando constantemente esta Equação Amorosa. Tomar uma decisão nestes termos é quase impossível e é por isso que ela se vai abstendo de o fazer e nunca dá a certeza do que quer. Cabe ao homem fazer-se valer aos olhos dela. Continuamente. Para a convencer de que é ele o melhor. Ou o mais próximo disso que ela poderá encontrar.

Diz-se que Freud morreu com apenas uma pergunta por responder: “o que querem as mulheres?” Cometeu um erro crasso. Partiu do princípio que elas sabem o que querem. Ledo engano. Morreu ignorante. Elas não tinham nada para lhe responder. Nada que fizesse sentido. Obviamente.

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