segunda-feira, maio 17, 2004

ENCONTRO COM O CRIADOR

Vou ao funeral do meu avô paterno, falecido na manhã de ontem. A ocasião é triste (como não podia deixar de ser), apesar da pessoa em causa não ter sido exactamente o mais nobre dos samaritanos.

O meu avô foi Inspector da P.S.P. no tempo de Salazar – só por aí podem apreciar a boa peça que ele não devia ser. Homem muito religioso e de imensa fé, levou uma vida de enorme sofrimento (muitas vezes auto-imposto) e carregou muitas cruzes, no intuito de ganhar o seu lugar no Céu. No seu percurso, cego pela imensidão da sua fé, afastou-se de toda a sua família e tornou-se um estranho para aqueles que devia amar mais. Finalmente, aos 84 anos de vida, abdicou do seu invólucro carnal e voou ao encontro do Criador.

De certo modo, invejo-o. Mas apenas porque, neste momento, ele detém todas as respostas às grandes dúvidas existenciais. Neste momento, ele já sabe se as escolhas que fez durante a vida compensaram ou não. E eu pergunto-me se ele recebeu aquilo que tanto queria e por que tão penosamente sofreu. Pergunto-me se o seu Deus o recompensou pelo homem de fé que ele foi em vida, apesar de, no processo, ter tornado a vida miserável à sua mulher e aos seus filhos. Pergunto-me o que terá mais peso aos olhos do seu Deus: se a fé cega que o meu avô demonstrou ao longo da sua vida, se a infelicidade que ele espalhou à sua volta entre aqueles que eram a sua família. E, finalmente, pergunto-me se o seu Deus terá a coragem de castigar o meu avô, quando o velho apenas fez aquilo que acreditava estar certo.

Considerações teológicas à parte, uma coisa é certa: por muito má rês que uma pessoa seja, deixa sempre saudades a alguém no mundo, que cá fica para a chorar. Confesso que a mim o velho não vai causar grandes saudades. Sou sincero. Mas o meu pai e os meus tios choram amarga e sinceramente no funeral. Por um homem louco de tão possuído pelo seu fanatismo religioso que já ninguém tinha paciência para aturar quando em vida.

Mas era o seu pai. Carne da sua carne. Sangue do seu sangue. E, por isso, parte deles também morre com o velho. Assim como parte de mim...

Portanto, adeus, avôzinho! Que a tua demanda kármica te seja profícua e feliz! Talvez nos voltemos a encontrar numa próxima encarnação! Au revoir et à bientôt!

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