domingo, maio 30, 2004

A DÚVIDA CEGA

Janto com um dos meus melhores amigos. Após algumas estocadas em assuntos de teor profissional e académico, a conversa acaba por atingir o campo amoroso. Ou seja, gajas, bem entendido. Relata-me o meu caríssimo amigo as suas mais recentes interacções com dois (dos mais) excelentes espécimens do sexo oposto. Segundo ele, ambas as ilustres meninas (que tenho a elevada honra de conhecer) se mostram actualmente muito interessadas em partilhar a sua companhia. Contudo, apesar dele perceber que ambas o têm na maior consideração e estima, duvida das suas intenções e nelas apenas consegue discernir amizade. Nada mais.

Eu travo-o: “Abre os olhos, pá! Estás com o jogo todo! Tens aí um belo poker de Damas e nem te apercebes!” E provo-lho: “A morenita, por exemplo: conheço-a há tempo suficiente para saber que ela me adora e me tem o maior carinho – mas não é a mim que ela liga a convidar para almoços e café... É a ti! Okay, ela tem namorado, e depois? Alguma vez fala dele na tua presença? Nunca! É porque não está apaixonada. Sabendo como ela é, o seu namoro deve ser daqueles racionais: foi a cabeça que decidiu, e não o sentimento. Quanto à outra, só te digo isto: uma rapariga que, dois dias depois de ter estado comigo, me vem dizer que já está cheia de saudades minhas, deixa-me logo em alerta. É de investigar.” Ao ver o caso através dos meus olhos, o meu amigo exulta. Quando nos separamos, ele vai ufano e feliz. Sente-se o dono do mundo; sente-se desejado.

E tem razões para estar feliz. Mas precisou de mim para lhe abrir os olhos. Esta incapacidade que todo o indivíduo tem para analisar correctamente as próprias questões amorosas é interessante. Especialmente se tivermos em conta como, por outro lado, se mostra sempre tão certeiro e célere a emitir opiniões sobre os assuntos amorosos alheios. A questão fulcral é: se temos olhos para ver os problemas amorosos dos outros, porque razão somos cegos para os nossos?

Há quem acredite que o problema se resume a uma questão de distanciamento do observador: a cinco centímetros de uma tela, é difícil identificar o que representa a pintura, por se estar demasiado próximo dela; torna-se necessário olhá-la de maior distância, para a compreender no seu conjunto. Mas eu não concordo com esta opinião. Ninguém melhor que o próprio interveniente de uma relação amorosa saberá abarcá-la no seu todo e nos seus mais ínfimos pormenores. Ou seja, dados não lhe faltam. A impossibilidade de analisar a relação liga-se a outras questões que não a distância. Porque este não é um problema de visão, mas sim de interpretação.

A questão da (falta de) experiência está posta de lado, já que apenas explica os casos de impossibilidade total de análise (tanto da própria relação amorosa, como da alheia). Assim sendo, o que impedirá uma pessoa experiente e sem problemas de visão de interpretar correctamente a informação que recebe da análise da sua relação amorosa? É simples: ela própria! Ou antes a sua insegurança. Pois é a insegurança que leva a pessoa a duvidar e a pôr em causa a veracidade dos dados recolhidos pela experiência, o que dá origem a resultados deturpados.

Portanto, a insegurança origina a dúvida. E, quem duvida, hesita. E, quem hesita, não age. Ou seja, não come. Para quebrar a cadeia, há apenas que ser suicida (ou ganhar auto-confiança, mas isso exige um trabalho de anos, e os frutos são acessíveis apenas a alguns escolhidos). Há que ser suicida e ter tomates para agir – tendo sempre presente que mais vale a certeza definitiva de um “não” pelas ventas acima, do que um eterno “talvez...” Eis o lema do Jacaré: quando em dúvida, morde. Logo saberás se a presa se deixa comer.

Normalmente, deixa. Todos gostam de umas dentadinhas. E, ainda que só receba negas, lembre-se que um único “sim” faz tudo o resto valer a pena. Portanto, não desespere. Continue a tentar.

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