domingo, fevereiro 12, 2006

NAÇÃO DE EMPATAS

Apanho o autocarro para o emprego. Estou atrasado. Pouco antes de me apear, um casal idoso entra no autocarro e, vagarosamente (que o corpo já não dá para mais), avança até ao fundo, onde encontra lugar sentado: ela – Empata n.º 1 – no banco atrás de mim, e ele – Empata n.º 2 – ao meu lado. Ao ver o homem sentar-se tão tremulamente, antevejo complicações de imediato, mas, estupidamente, permaneço sentado, ao invés de aproveitar o ensejo para abandonar o lugar antes que o cota me bloqueie o acesso à saída. Mal adivinho eu que, por esta altura, já estão as peças colocadas de tal modo no tabuleiro que me será impossível evitar o seu ataque combinado.

Na paragem seguinte, levanto-me para sair enquanto o cota espera que o corredor desimpeça, para me poder dar passagem. Atrás de mim, a sua velha esposa também se levanta, para deixar sair a matrona sentada ao seu lado, e, vendo lugares vazios mais à frente, dirige-se de imediato para eles, seguindo a matrona e acabando por ficar entalada no corredor com o cota, que entretanto se levantara. Quando a matrona atinge a porta de saída, todos aqueles que se queriam apear do autocarro naquela paragem já o fizeram. À excepção do Jacaré! Só após forçar o seu corpo no corredor estreito é que a taralhouca da velha repara que eu pretendo sair e, muito atarantada, volta para trás (!), entalando novamente o cota e, mais uma vez, entupindo a passagem. Quando finalmente me livro do par de araras tontas, soa o aviso de fecho de portas. Nesse momento, entra em cena o Empata n.º 3: um puto mitroso, de boné chunga na cabeça e uma argola dourada em cada orelha, acabado de entrar no autocarro e que, furando rapidamente até ao fundo do autocarro, me barra a passagem mesmo à boca do corredor. As portas do autocarro fecham-se. Peço licença ao puto mitra e, ao mesmo tempo, grito ao condutor para voltar a abrir a porta de trás. Não me ouve. Chego (por fim!) à porta. Volto a gritar ao condutor. Não me ouve. Logo a seguir, vejo a paisagem a deslizar ao lado do autocarro. Só nessa altura reparo no Empata n.º 4, a conversar animadamente com o condutor, e distraindo-o dos apelos do pobre rapaz que queria sair na paragem anterior. Porca miseria! Mas esta gente está toda conluiada ou quê?!

É ao fazer as minhas deslocações diárias de transportes públicos pela área de Lisboa que me apercebo bem da quantidade de empatas que atravancam o mundo. Gente totalmente inconsciente do espaço que ocupa no globo e sem qualquer consideração por quem se move à sua volta. Desde gajos que se passeiam pela rua em rotas e velocidades erráticas, que estacam subitamente e invertem a marcha sem sequer olhar quem vem atrás e que param à conversa mesmo no meio do caminho até malta que força gananciosamente a entrada no metro ou no comboio, impedindo quem está dentro de sair, ele há de tudo. Esta gente parece preferir os espaços de circulação mais apertados e apinhados e torna-se uma dor de cabeça quando se junta em grupo. Se os inconscientes e distraídos são uma praga irritante, o pior mesmo são os velhos, em especial aqueles que a Vida azedou (e as tias). Para além de problemas óbvios de locomoção devido à provecta idade, eles pisam, empurram, dão encontrões, furam filas e fazem-se de parvos ou vítimas quando chamados à razão (além do que, muitas vezes, também cheiram mal). Exigem os direitos que lhes são devidos e os que não são e agem como se toda a gente tivesse que pagar pela partida que o Tempo lhes pregou ao roubar-lhes a juventude. Essa raiva reprimida contra a Humanidade em geral, aliada ao imenso tempo livre que têm disponível torna-os um perigo a não menosprezar.

Creio mesmo ser esta espécie uma verdadeira ameaça nacional, não só directamente responsável por empatar o ritmo de desenvolvimento da nação, como também indirectamente responsável pelos elevados níveis de stress no país e consequente perturbação do nível de qualidade de vida e perda de produtividade que lhe está associada. Portanto, faço daqui um apelo ao Governo português para que tome medidas efectivas em relação a este problema. Mas... que digo eu? Os maiores empatas estão no Governo! Pois sim! E depois queixam-se que o país está de tanga...

3 Comentário(s):

A quarta-feira, 15 fevereiro, 2006, Blogger Cantinho do Olho comentou:

Meu caro amigo, ca em coimbra nao e diferente em nada!os mitras, os velhos...a minha mae nao acredita (chega ate a dizer que sou louca!) quando digo que os velhos e todo o tipo de empatas (quisa tambem o governo) deviam ser postos assim num sitio qualquer (a minha primeira sugestao e uma plataforma de petroleo no meio do mar) onde se empatem uns aos outros e onde cheirem mal a vontade uns para os outros!e que com os seus aparelhos auditivos desligados se queixem dos bicos de papagaio!
Hm...para nao ser tao drastica...se subissem o preço do passe do idoso (velho) eu ficaria eternamente grata,porque assim andavam menos de autocarro...

 
A quinta-feira, 23 fevereiro, 2006, Blogger mARco comentou:

iá... já nem me lembro bem de transportes públicos apinhados de gente, e velhos a pedir ajuda pra subir as escadas...

ainda bem que trabalho em cascais e venho de pópó pró emprego... lalalalalala!

 
A quinta-feira, 13 abril, 2006, Anonymous Anónimo comentou:

Marco,

até parece que ai na cave de cascais não há empatas.. :P

Ora só assim de repente..já tenho uma mão cheia. (falhamos... vamos ter de nos esforçar... eu.. eu tenho coisas para fazer.. em casa!)

 

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