A SEXUALIDADE DA SANTA CLARA
Até a emissão de quinta-feira passada do programa “A Revolta dos Pastéis de Nata,” eu nunca ouvira falar da Ana Santa Clara. Ao que parece, a dita senhora escreve regularmente uma crónica para o Correio da Manhã onde discorre sobre as relações entre géneros, tema que igualmente constitui o teor do seu livro intitulado “‘não esperes por mim para jantar’” e que, como o leitor bem sabe, coincide com o meu campo de interesse e reflexão. Tendo essa afinidade com a senhora, foi, portanto, com muita atenção que acompanhei a sua participação no referido programa.
A Santa Clara é uma quarentona que, embora não sendo propriamente feia, compensa a falta de beleza com fértil espirituosidade. Adoptando uma postura muito aberta em relação à interacção entre homens e mulheres, ela apregoa alguns lemas engraçados (sem dúvida fruto da sua experiência de vida), tal como “os homens são como os doces: é preciso provar para saber se são bons” (eis uma boa desculpa para saltar inconscientemente – mas sem remorsos – para a espinha de tudo o que mexe) ou “já que um homem não me faz vir, ao menos que me faça rir” (cara senhora, homem aliviado já tem o que quer, não lhe interessa fazer rir nem a uma hiena. As piadas foram antes da queca. “A brincar, a brincar, o macaco foi ao cu à mãe,” nunca ouviu dizer? Espero que tenha aproveitado para rir nessa altura, porque depois da trancada já vai tarde) e ainda “homem que não é cavalheiro, não volta a ser cavaleiro” (“não volta a ser.” Essa é boa. Quer dizer que qualquer bicho careta tem direito a, pelo menos, uma oportunidade. Que não se diga que a senhora não é democrática). É só rir. Mais uma gaja bem iludida, pensei eu. Contudo, não querendo ser acusado de tirar conclusões precipitadas, achei por bem deitar um olho ao tal livro da dita senhora, no sentido de averiguar se as suas palavras valem sequer o papel em que são impressas. Procurei-o numa livraria e, após analisar o índice e ler uma ou outra passagem para me inteirar do conteúdo, retirei as minhas conclusões, que agora partilho com o leitor.
O tema é a infidelidade masculina – tema clássico e recorrente que tira o sono a muitas mulheres, que a ele dedicam grandes paranóias e obsessões (bastas vezes justificadas, conceda-se). “Com este livro,” diz a autora, “as amantes vão aprender a exigir todos os direitos que têm e as mulheres a descobrir as carecas dos seus maridos.” Em pouco mais de 300 páginas (escritas a letras garrafais, para não cansar os olhos – nem o cérebro), e adoptando a heterónima Maria Moira (a sua prima “executiva sem tempo nem pachorra para casar, que prefere homens em part-time”), a autora propõe-se ensinar as mulheres, sejam elas as legítimas ou as ilegítimas, a tirar o maior proveito possível da infidelidade. O livro está dividido em 4 capítulos: I – Manual Didáctico da Amante; II – Exemplos Práticos (uma edificante colecção de casos verídicos); III – Regulamento de Utilização das Mulheres de Recreio (uma proposta de legislação dos Direitos, Deveres e Limitações das várias partes envolvidas, “resumo de toda a teoria e prática apresentados nos dois capítulos anteriores”); e IV – Identificação das Espécies (que formam o triângulo amoroso).
O tal livrito não deixa de ter a sua piada. Porém, parte da premissa errada de ser o homem o único culpado pela infidelidade, pois é quem engana as pessoas com quem se envolve. A esposa limita-se a ser “desatenta” e a amante a “aproveitar.” Erro crasso. Pior: erro sexista, que apenas perpetua os preconceitos vigentes entre géneros, contribuindo para a pobre comunicação na relação entre homens e mulheres. Pasmo com este disparate que certas senhoras advogam de procurar lucrar com a infidelidade, ao invés de evitar compactuar de todo com este negócio sórdido. Saibam que as relações amorosas são o resultado da interacção de duas (ou mais) pessoas e raras são as vezes em que a totalidade da culpa cabe apenas a uma delas. Enquanto houverem esposas que não dão a devida atenção aos maridos, e mercenárias sem qualquer pejo em envolver-se com homens comprometidos, tornando-se cúmplices no engano (e traidoras do seu género), haverá infidelidade masculina. O homem infiel será sempre o maior culpado, concedo. Mas aqui ninguém é santinho.
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